Dentre tantas frases memoráveis de Paulo Freire, escolho duas para iniciar esse texto e explicar os passos para uma aprendizagem afetiva.
Paulo Freire diz:
“O educador se eterniza em cada ser que educa”;
E também:
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Em ambas citações, o que me chama a atenção é a carga emocional na relação educador e educando, professor e aluno, mestre e aprendiz. Só haverá um aprendizado significativo, esse que fica eternizado (como diz Freire), se houver afetividade na entrega e recepção do conhecimento. O que nos leva a pensar na segunda frase: a porta para produção e construção do conhecimento só se abre se a chave dela for uma aprendizagem afetiva.
O que quero mostrar é a importância do afeto no processo de ensino e como ele transforma, não só o professor e o seu aluno, como também o ambiente, o dia a dia e relações que virão a partir dele.
Um bom professor ensina para a vida é um bom aluno aprende para seguir bem a sua.
Quando há uma relação de cumplicidade, confiança e engajamento, a aprendizagem se torna mais afetiva e contribui para a construção mútua de projetos.
Passos para a construção de uma aprendizagem afetiva:
1. Escutar
A escuta é um processo necessário em vários momentos de nossas vidas. Na educação não é diferente. O professor deve dar espaço para escutar seus alunos.
Não conseguimos manter uma relação afetiva se não conhecermos quem está conosco nessa ligação. Uma aprendizagem afetiva começa acontecer quando permitimos dar voz aos nossos educandos.
Além de nos ensinar, também, com suas histórias e experiências, escutá-los permitirá um maior entendimento do que há “por trás” deles. Cada um carrega uma história e um repertório cultural diferente. Compreender tudo isso, auxilia na construção de afetos.
Quando oportunizamos a escuta, estamos dizendo aos nossos alunos que estamos com eles, que podem confiar em nós, seus professores, e que estamos prestando atenção neles. Ninguém gosta de ser esquecido e ignorado. Permitir estas escutas levarão você professor a uma aprendizagem afetiva.
Crie espaços para isso! Rodas de conversas e textos escritos em que eles possam contar um pouco sobre si, geralmente funcionam muito bem. Crônicas e relatos de fatos que conectam com suas histórias e experiências, também permitem escutas interessantes. Questionários, cartas, desenhos e dinâmicas são ferramentas que auxiliam para essas escutas.
Além disso, é preciso escutá-los para saber o que pensam, o que desejam, o que almejam para suas vidas e porque estão onde estão. Construa espaços para a escuta, você vai ver que algo irá mudar na sua relação com seus alunos e isso fará muito bem para você e para eles.
2. Derrubar barreiras
O professor, muitas vezes, pensa que seu papel é entrar em uma sala de aula e todos devem ouvi-lo e os que não estão interessados: “a porta da rua é a serventia da casa”. Contudo, isso é um erro crucial para uma aprendizagem afetiva.
Derrubar barreiras é nos permitir chegar mais próximos dos nossos alunos e a partir disso, entender os motivos que levam os estudantes a não participarem das aulas e não mostrarem interesse pelo que ensinamos.
Certa vez, em uma de minhas aulas, percebi que um dos alunos sempre chegava mais tarde e sentava no fim da fila e sempre muito desatento ao que eu explicava. Na quarta semana o chamei para conversar. No intervalo ficamos conversando por 15 minutos, compreendi o que o fazia agir assim. Trabalhava o dia todo, chegava cansado para estudar e não se sentia incluído na turma. Pedi para ele sentar mais perto de mim, disse para ele que eu o ajudaria sempre e que a partir daquele momento ele não estava mais sozinho.
E assim aconteceu, ele começou a chegar mais cedo, sentou mais para frente, senti seus olhos me acompanhando e sempre trocávamos ideias no intervalo e no fim de cada aula. Seu rendimento melhorou muito e mudou completamente a nossa relação.
Falo deste caso porque às vezes, para o professor, é mais fácil deixar esses alunos agirem por conta própria e se não estão interessados, o problema é deles. Há sempre uma barreira que nos diz isso: por que olhar para um aluno que não está “nem aí para mim”?
No entanto, quebrar barreiras é isso, é construir laços e com isso uma aprendizagem afetiva acontece. A partir do momento em que me aproximei dele, o sentimento entre nós mudou e fiz a diferença no processo de ensino.
Quebre suas barreiras! Se aproxime daqueles que falam demais, que estão desinteressados, que parecem só incomodar. Às vezes, eles só querem atenção e entender os seus motivos, levam para uma construção afetiva da aprendizagem.
3. Dar feedback afetivos.
Todo o aluno gosta de ser valorizado. Uma técnica que considero bem positiva é o feedback afetivo para a construção de uma aprendizagem afetiva.
Em uma prova, em um exercício, em um artigo ou em outro qualquer trabalho, coloque seu feedback e se posicione ao registar a pontuação da avaliação. Descreva a nota ou índice avaliativo e, por meio da escrita ou da fala, expresse pontos importantes para ele.
Por exemplo, se o aluno for bem na avaliação escreva: Ah, que bom (nome do aluno), fico muito feliz com este seu resultado. Sinto que você aprendeu bem o conteúdo, demonstrou conhecimento e soube responder bem o que foi pedido. Seu professor está orgulhoso, continue assim. Parabéns!
Você ainda pode aproveitar as tecnologias e dar estes feedbacks em áudio, vídeo ou em até desenhos ou algo criado por você. Todo feedback é necessário, quando carregado de sentimentos, ele se torna marcante.
Mas não só nos resultados positivos é que devemos manifestar nosso carinho. Quando o contrário acontece, penso ser muito mais importante nosso feedback e a nossa função de professor em estabelecer uma relação afetiva.
Como docente, entendo que em algumas ocasiões sentimos raiva do aluno, decepção ou indiferença. Isso em função do que ele é em sala de aula. No entanto, não devemos abandoná-lo. É preciso dar atenção a ele e tentar “recuperá-lo”.
Por isso, mais do que nunca, nestes casos, devemos deixar feedbacks afetivos.
Sugiro alguns tipos de argumento para isso.
– Ah (nome do aluno), que pena este seu resultado. O que será que houve? Aconteceu algum problema? Não entendeu o conteúdo de forma satisfatória? Podemos conversar sobre isso? Quero muito que você recupere essa nota, para isso, vamos revisar esse conteúdo e a avaliação, ok? Procure-me no final da aula, quero o melhor para você.
Este tipo de feedback pode ser escrito em um email, no whatsApp, na própria avaliação ou em um direct no instagram. Quanto mais próximo você estiver dele, mais efeito afetivo terá o feedback e uma aprendizagem afetiva é constituída.
Como vimos, ensinar é algo que pode ser prazeroso para nós professores e, principalmente, para os nossos alunos. Quanto mais afetiva for a aprendizagem, maior será a nossa realização profissional e mais transformador será o nosso ensino.
Martin Luther King uma vez escreveu: “Vemos tudo mais claro quando estamos apaixonados”. Uma aprendizagem afetiva é deixar você e seu aluno se apaixonar por ela. Quanto mais vínculos tivermos, mais forte será a marca que deixamos em nossos educandos.
Para finalizar, retorno ao início com a primeira frase de Paulo Freire. Podemos escolher entre ser o educador que se eterniza em cada ser que educa ou não. Eu prefiro ser eternizado porque saberei que fiz a diferença na vida do meu aluno e ele na minha. Uma aprendizagem afetiva proporciona essa “eternização”.